Da esq. para a dir., o artista Marcelo Siqueira, o advogado Albert Pellegrini, o professor Odir Zuge e o jornalista Thiago Bennicchio: algumas faces de um movimento sem líderes
Da esq. para a dir., o artista Marcelo Siqueira, o advogado Albert Pellegrini, o professor Odir Zuge e o jornalista Thiago Bennicchio: algumas faces de um movimento sem líderes


Montada em uma bicicleta verde, Lady Godiva desce a Rua Augusta cantando: “Mais amor, menos motor”. Veste meias até os joelhos, máscara de Carnaval — e mais nada. A nudez superbranca e o penteado moicano exacerbam a atitude combativa, aditivada por gritos roucos e mensagens pintadas no corpo: Get Nude/Keep Calm. O motorista do Audi preso no trânsito lhe sopra uma canção dos Raimundos: “Eu queria ser/O banquinho da bicicleta…”. Lady Godiva devolve a gaiatice com um convite: “Você aí parado/Vem ficar pelado!” E pedala sorrindo sem querer ouvir a resposta, seios empinados, uma latinha de cerveja na mão.
Lady Godiva, que pede que seu nome não seja divulgado, é uma das mais chamativas participantes da Pedalada Pelada. No evento, que aconteceu na nublada noite de 11 de março em São Paulo, cerca de 300 ciclistas desfilaram nus ou seminus pelas ruas da zona oeste, entre Avenida Paulista, Augusta, Jardins, Ibirapuera, Pinheiros e Vila Madalena. Apesar do viés carnavalesco, o clima da bicicletada era tenso: afinal, as relações entre ciclistas e não ciclistas andam um tanto desequilibradas.
O estopim do descompasso foi o atropelamento de participantes do movimento Massa Crítica em Porto Alegre. O bancário Ricardo Neis investiu com seu Golf para cima de dezenas de ciclistas, provocando um strike. O chocante registro em vídeo correu o mundo. Um dos efeitos colaterais do ato — que rendeu a Neis 17  denúncias de tentativa de homicídio — foi chamar a atenção para o cicloativismo. Por todo o país se organizaram bicicletadas em protesto. A onda de cicloativismo encontrou apoio — e repulsa. A colunista Barbara Gancia, em texto publicado na Folha de S.Paulo, condenou as magrelas como transporte viável para cidades e chamou os ativistas de mimados, donos de bikes caríssimas: “Querem se passar por movimento popular, mas não conseguem esconder sua fuça elitista e seu flagrante desrespeito às leis de trânsito toda vez que saem em grupo alegremente pela noite, iluminadinhos e barulhentos, gritando palavras de ordem, brincando de maio de 68 de roupa spandex, se achando moralmente superiores e atravancando os semáforos”.
Num passeio por sites de relacionamento, como Orkut e Facebook, encontram-se dezenas de comunidades cujos tópicos vão de “Odeio ciclistas” a “Lugar de bicicleta é no parque”. Em termos gerais, quem se manifesta contra o uso da bicicleta exibe cinco argumentos: a) as vias das grandes cidades são território exclusivo para o automóvel; b) as bicicletas devem ser usadas em parques ou, no máximo, em ciclovias segregadas; c) ao contrário do que afirmam, os defensores do uso da bicicleta são originários de uma elite cultural e econômica; d) os cicloativistas são ecochatos que detestam a tecnologia moderna e lutam contra o capitalismo; e) os cicloativistas são arrogantes, desqualificam quem faz uso de automóvel, dirigem perigosamente e se consideram seres superiores.

Pedalada Pelada passeia pela Paulista (1); Lady Godiva desce a Augusta (2); os participantes usam o próprio corpo para chamar atenção à sua causa (3)

Apenas duas semanas após o atropelamento dos 17 ciclistas da Massa Crítica, outros dois foram atropelados em Porto Alegre. O motorista fugiu. Toda guerra tem seus mártires, e não é diferente no front do cicloativismo. No caso da Bicicletada paulistana, atende pelo nome de Marcia Regina de Andrade Prado, atingida por um ônibus na Avenida Paulista ao meio-dia de 14 de janeiro de 2009. A cada seis dias um ciclista morre atropelado em São Paulo; foram 69 em 2008, 61 em 2009. Como comparação, a cada ano morrem 40 000 pessoas, e 440 000 sofrem acidente automobilístico no Brasil.
Até ter o crânio esmagado pelo pneu traseiro direito de um ônibus articulado, Márcia Regina era signatária do Manifesto dos Invisíveis, que propõe a criação de ciclofaixas, e não de ciclovias, na cidade. “A insistência em afirmar que as ruas serão seguras para as bicicletas só quando houver milhares de quilômetros de ciclovias parece a desculpa usada por motoristas para não deixar o carro em casa”, escreve o manifesto. “Dizem: ‘Mudarei de hábitos quando tiver metrô na porta de casa’ e continuam a congestionar e a poluir o espaço público, esperando que outros resolvam seus problemas em vez de tomar a iniciativa para construir uma solução.” Como homenagem, Márcia Regina ganhou uma bicicletada de 300 participantes e uma ghost bike — uma bike branca acorrentada a um poste perto do Masp, na Avenida Paulista, onde ela foi morta. A ghost bike é um ritual replicado por cicloativistas de todo o mundo a cada fatalidade.
A Massa Crítica é o movimento mais importante no universo cicloativista. Surgiu em São Francisco, nos Estados Unidos, em 1992, com 60 ciclistas. Um de seus fundadores, Chris Carlsson, descreve no panleto “Como criar uma Massa Crítica” as ideias para nortear uma bicicletada. O texto espalhou-se por EUA, Europa e América do Sul, especialmente em Seattle, Portland, Nova York, Berlim, Paris, Bolonha, Barcelona, Bogotá, Buenos Aires e São Paulo — 325 cidades repetem o procedimento da Massa Crítica. O estatuto é um curioso blend de regras rígidas e anarquia controlada. Por definição, jamais existe um líder numa Massa Crítica. O objetivo é criar uma “coincidência organizada”: pessoas pedalando em massa, formando um coágulo semovente no trânsito, para reivindicar respeito ao seu espaço nas ruas. O slogan, “Um carro a menos”, indica que a demanda é por qualidade de vida — mais bicicletas, menos carros, menos poluição.
Entre as regras estritas estão a obrigação de conhecer o Código de Trânsito local; a proibição de qualquer ato violento ou discriminatório em relação aos motoristas; e a postura de ignorar pura e simplesmente a polícia. “Na cultura antiautoritária do meio ciclístico, a Massa Crítica não trata com a polícia”, diz o estatuto, que, por outro lado, proíbe terminantemente infringir qualquer lei durante a Massa. É por esse motivo que os participantes nunca avisam seu próximo ato à companhia de trânsito local. “A lógica é que, se a bicicleta tem, no Código de Trânsito, o valor idêntico ao de um carro, não faz nenhum sentido pedir licença para ocupar o espaço público”, diz Thiago Benicchio, jornalista, co-autor do documentário Sociedade do Automóvel e diretor da ONG Ciclocidade, uma das dezenas de entidades que defendem os ciclistas no país.
ALFA acompanhou a Pedalada Pelada de 2011 — parte do evento World Naked Bike Ride. Metade do trajeto de scooter, metade de bicicleta (por motivos estritamente mecânicos: o escapamento da scooter caiu). Enquanto desce a Fradique Coutinho numa velha Caloi, o repórter (vestido, como convém à imprensa) conversa com Benicchio, que pedala sem camisa, no rosto uma maquiagem de palhaço, bicicletas negras pintadas no tronco. “Não gosto do termo ‘cicloativismo’ ”, diz. “Não acho que somos como os ecologistas dos anos 60; não queremos defender o panda”, afirma. Para ele, compartilhar é a palavra-chave: os cicloativistas desdenham das ciclovias segregadas e lutam para que o governo crie e mantenha ciclofaixas por toda a cidade. Seu mandamento sagrado: educar o motorista para que respeite a distância de 1,5 metro do ciclista, conforme determina o Código de Trânsito Brasileiro, em vigor desde 1997, sob pena de multa.
Jornalista de classe média, Bennichio já teve carro. Hoje, sua conta no Twitter é @luddista. Referência aos luditas, pessoas que repudiam os avanços tecnológicos. O nome surgiu em homenagem a Ned Ludd, lendário líder dos tecelões ingleses que, em 1890, incitou à destruição de teares para fazer frente à Revolução Industrial. Benicchio assina o blog Apocalipse Motorizado, homônimo da coletânea de textos anticapitalistas publicada pela editora Conrad em 2004, que elenca ensaios de filósofos do pensamento ecológico radical, como Ivan Ilich e André Gorz. No Brasil, o movimento anticarro encontra entre seus gurus nomes respeitáveis, do antropólogo Roberto DaMatta ao pneumologista Paulo Saldiva.
No entanto, há nas bicicletadas quem defenda o automóvel. É o caso de Eliseu S.*, cujo sustento é, justamente, uma mecânica em Santana, na zona norte paulistana. “Vou e volto da mecânica de bicicleta”, diz o homem atacarrado, de 54 anos, parecendo envergonhado por conversar com a reportagem com a bunda de fora. Embaraçada também estava Maria G.*, uma professora de ginástica um tanto gordota, moradora de Diadema, na Grande São Paulo. Diz ter começado a pedalar para diminuir uns quilinhos e também economizar os quatro ônibus diários que lhe tomam 240 reais por mês e 3 horas no trânsito. “Não queria que meus pais soubessem que estou aqui, porque eles não iriam entender direito”, diz ela, de camiseta e calça de lycra. Maria quer também economizar… para comprar seu primeiro carro. Em um selvagem biquíni de oncinha, a longilínea farmacêutica Valéria N.* conta ir de sua casa, em Pinheiros, ao trabalho, em Alphaville, de ônibus fretado. “Mas, uma vez por semana, me obrigo a fazer o trajeto na magrela.” E por quê? “Para sentir a rua, para não perder o contato com a realidade. É preciso lembrar que as ruas são das pessoas, não dos carros”, diz. “As mulheres ciclistas são as que mais sofrem represália dos motoristas.”
Há ainda militantes GLS, como o designer Marcio C.*, e naturistas, como a arquiteta Daniela R.*. Radicais anticarro, como o professor Odir Zuge, que, em seu blog As Bicicletas, escreve seus argumentos contra o automóvel: “Os carros destruíram nossas cidades. O exemplo é São Paulo, onde uma obra de bajulação à carrocracia, a ampliação da marginal do Tietê, apenas piorou o problema das enchentes“. Há artistas plásticos, como Marcelo Siqueira (responsável por espalhar bicicletinhas pelas ruas de São Paulo, “criando” ciclofaixas – veja box abaixo). Há ciclistas profissionais que também são advogados dos direitos de ciclistas atropelados, como Albert Pellegrini, e veganos ecologistas — como Lady Godiva.
Sim, o movimento é claramente de classe média — o que não quer dizer nada, já que todo movimento político dos últimos 200 anos, de esquerda ou de direita, foi impulsionado pela classe média. E engana-se quem pensa que a maioria ali está a passeio: recente pesquisa feita pelo Metrô paulistano informa que 70% dos 214 000 ciclistas paulistanos usam diariamente esse meio para trabalhar. Só 4 % usam as bikes para o lazer. “O uso está ligado à periferia e à população de baixa renda”, afirma Jaime Waisman, professor de transportes da USP. “E agora há jovens de classe média que usam por ideologia.” Benicchio não concorda: “Jovens de classe média usam mais porque descobriram que é muito mais prático e fácil do que andar de carro. Estas pessoas, que se deslocam no centro expandido percorrendo distâncias entre 5 a 10km, começaram a sentir na pele que é ridiculamente insuportável ficar 1h30, 2h dentro de um carro para andar alguns poucos quilômetros“, afirma.
Enquanto a reportagem acompanha o engenheiro Akira K.*, cuja magrela equipada com alto-falantes difunde pela noite o jazz de John Coltrane, nota-se que, apesar da causa séria, a bicicletada é uma festa. Embora a Pedalada Pelada seja um evento midiático, declaradamente realizado para despertar atenção à causa — seus participantes portavam dezenas de câmeras e filmadoras —, a atmosfera é de micareta. Nem sempre uma cidade sisuda como São Paulo vê 300 pessoas passear seminuas. “Obsceno é o trânsito”, cantam. Na chegada à Paulista, subindo a Augusta, a reportagem (ofegante) testemunhou palmas tanto de pedestres quanto de motoristas. Ao contrário de Pedaladas Peladas anteriores, em que houve confronto com a polícia (e os próprios participantes entendem que existiu provocação de ambas as partes; alguns ativistas foram detidos por desacato ao pudor), na PP de 2011 não houve um único incidente.
O passeio de 3 horas não é só uma dionisíaca apropriação do espaço público. Mas também uma impávida demonstração de força que deixa claro: uma guerrilha se insurge no beligerante trânsito da cidade. E veio para ficar. No dia 25 de março, aniversário de um mês do incidente em Porto Alegre, organizou-se uma divertida bicicletada à fantasia em todo o país. Em São Paulo, território de 7 milhões de automóveis, zanzava uma petulante massa de 500 bicicletas. Na ocasião, Lady Godiva vestia meias vermelhas e máscara de Carnaval.

Dez  mandamentos do cicloativismo

Demandas do participante da Bicicletada ou da Massa Crítica — e do ciclista ativo em particular**

 
 
No mundo ideal: Copenhague e sua convivência harmoniosa entre bicicletas, carros e pedestres
1. LEVANTE-SE E PEDALE Nem que seja só você.
2. LUTE PELO ESPAÇO O ciclista deve ter respeitado o limite de 1,5 metro de distância para outros veículos. Causas: sinalização na pista (trânsito compartilhado), ciclofaixas (toda a cidade, qualquer horário) e ciclovias (nas avenidas).
3. FAÇA BARULHO Não se esconda: use cartazes, adesivos, internet.
4. INDEPENDÊNCIA OU NADA Bicicletadas não têm ligações com empresas, partidos ou igrejas.
5. NÃO SIGA LÍDERES Numa bicicletada, as decisões são consensuais.
6. SIGA A LEI Não ande em contramão ou calçadas e dê preferência ao pedestre.
7. NÃO PEÇA LICENÇA Uma bicicletada não precisa de “passe livre” de autoridade.
8. CRIE UM HÁBITO Toda última sexta-feira do mês.
9. SEJA INVENTIVO Crie formas diferentes de incentivar o ciclismo.
10. SEJA CORDIAL Sorria a motoristas e pedestres — se preciso, saia nu para dar visibilidade à causa.
(**Livremente adaptado do www.bicicletada.org)

“Einstein andava de bicicleta”

Para o pneumologista Paulo Saldiva, a bicicleta é o transporte ideal para a cidade – além de ser menos poluente, é mais inteligente. Mas, mesmo pedalando diariamente desde 1972, o médico tem medo do trânsito, já foi atropelado e volta e meia um colega diz que “andar de bicicleta não condiz com seu status” 

 

Você defende que usar bicicleta é uma política de saúde pública? Devido à poluição urbana, 4 mil pessoas morrem por ano. São mortes ligadas diretamente à poluição veicular. O uso continuado da bicicleta reduziria o efeito estufa e melhoraria a saúde de quem pratica.
Mas a bicicleta é uma solução para o mundo urbano? Ah, sim, mas antes é preciso pensar a cidade para seu uso. Porque existem coisas bizarras: nas ruas do Hospital das Clínicas, eu posso andar de trator, tanque de guerra, mas não posso andar de bicicleta. Se eu quiser guardar a bicicleta dentro do aeroporto de Congonhas, também não posso. Assim, deixo ela num poste do lado de fora, amarrada numa imagem de Nossa Senhora de Fátima, para ver se o ladrão tem medo.
Por que o senso comum não encara a bicicleta como transporte viável? Porque não existe intenção do poder público de fazer isso. O que impede a prefeitura de criar uma ciclofaixa? Do ponto de vista técnico, nada. Do ponto de vista eleitoral, tudo. O prefeito tem medo de não se elege porque pode contrariar os interesses do eleitor. E o eleitor não quer ser educado para isso. A cidade foi toda pensada para o carro, as calçadas são voltadas para os carros, o pedestre que se lixe. A prefeitura precisa criar ciclofaixas e multas a quem desrespeitá-las. Agora, tirar uma faixa de automóvel para colocar uma ciclofaixa no lugar é difícil. Precisa ter vontade política. Toda mudança cultural demanda uma mudança tecnológica. Ainda assim, hoje vejo muito mais gente andando de bicicleta hoje do que em 1972, quando comecei a pedalar diariamente.
Interessante que um buraco numa rua ou avenida tem mais visibilidade do que uma calçada… Para você ter uma idéia, o instituto de ortopedia do HC recebe 50% de pacientes por causa de quedas da própria altura de calçada – é uma taxa maior que de acidentes de trânsito, mais que atropelamento, queda de moto etc. E a bicicleta está dentro desse universo.
Como a bicicleta melhoraria a cidade? São Paulo é um deserto quando não chove e uma piscina quando chove. A velocidade média do carro em SP é de 12 km/h. Para ir de Pinheiros a Santo Amaro, os bandeirantes nas suas mulas chegariam antes dos motoristas. Sinceramente, não sei qual é a graça de ficar preso no trânsito.
Mas você anda de bicicleta todo dia? Tenho 57 anos e sou ciclista diário desde 1972. Tenho carro, claro, mas não uso pra trabalhar, e sim para viajar. Hoje, a distância da minha casa ao trabalho é de 4 km. Mas, quando dava aula na USP, era 25 a 30 km. Agora, é difícil. Você precisa pensar em espaço na rua e espaço para parar a bicicleta, bem como um lugar para as pessoas tomarem banho.
Você é cicloativista? Participa das bicicletadas? Não quis andar pelado na Pedalada Pelada para não diminuir meu prestígio, que já é baixo. Mas forneço dados ao movimento. Esse papo, por exemplo, de que só classe média usa, é mentira. Uma pessoa pobre em 3 meses paga sua bicicleta. E o Metrô acaba de divulgar uma pesquisa provando que 200 mil pessoas andam diariamente de bicicleta para ir ao trabalho. A maioria de classe baixa ou média baixa. Você precisa respeitá-las.
Você tem medo de andar de bicicleta? Claro! Uma vez fui atropelado por uma senhora que passou no farol vermelho na contramão em cima da faixa de pedestre, estava com pressa para ir à aula de ginástica. Um dia um táxi quase me atropelou e disse, ‘Desculpa, mas é que vocês andam na rua’, como se a bicicleta estivesse num lugar errado. Uma professora uma vez me falou: ‘por favor, não venha mais assim, isso pega mal, você não pode, olha o seu prestígio…’ Agregar valor através do seu carro, ter o seu carro como seu cartão de visita, é absolutamente ridículo. Poxa, Einstein andava de bicicleta!


O pai das bicicletinhas

O cicloativista e ilustrador Marcelo Siqueira, 32, é um dos pioneiros na propagação das “ciclovias” informais em São Paulo: “Virei artista plástico por causa da bicicleta”, diz. Aqui, o ex-bike-repórter da CBN e blogueiro do Vá de Bike conta sua doce vida sobre uma magrela

 

Desde quando você anda só de bicicleta? Eu tinha carro, mas vendi em 2006. Não precisava mais, os gastos eram altos, pra mim era mais barato andar de táxi e bike. Eu dava aula no Taboão e ia de carro, umas vezes fui de bike, e vi que demorava o mesmo tempo: uma hora. Comecei a usar sempre mochila. As poucas vezes que caí foi de costas, então, tudo bem…
Não é incômodo? Em qualquer lugar que eu chegue, sempre tenho uma muda de roupa pra me trocar. Vou para todo lugar de bike, tenho uma mountain e uma dobrável. Sou solteiro, conheço alguém na noite, é só dobrar a bike, se eu beber demais…
Já teve algum acidente? Sim, mas por imprudência minha. Uma época eu acreditava que a preferência de um ciclista era a mesma de um carro. Aí comecei a adotar a Lei de Murphy. Já pedalo como se ninguém estivesse me vendo. Eu tava entrando na garagem do prédio e uma pessoa que mora no meu prédio e quis sair correndo e avançou na calçada. Estragou a bicicleta e amassou o carro. E ela disse que o errado era eu!
Quantos km você anda por dia? Uns 20 km em média, não menos que 5 km. Se preciso ir longe, pego o carro da família.
Ainda acha perigoso, mesmo com tanta experiência? Já vi uns caras que assustavam pedestre, ciclista. É coisa de gente em grupo, o cara nunca está sozinho. Mas de uns 3 anos pra cá reparei que tem muito mais bicicleta na rua. Não é tão perigoso assim. Quando trabalhei como bike-repórter, me enfiava na 23 de Maio, Washington Luiz, ali é muito mais perigoso.
Como começou a desenhar bicicletinhas por aí? Eu dirigia muito, olhando para a parede, vendo um muro, e me achava um idiota. Pensei: será que se eu lesse uma mensagem num muro, iria sacar? Assim, onde eu passava de bike, pintava os muros com uma bicicleta. Comecei a reparar nas pichações, nos graffiti. Vi que só tinha a assinatura, sem a obra. Uma vez me perguntaram, você é o “Vai de Bike”? Outras pessoas começaram a replicar meu trabalho. Uma vez pintei no asfalto, e dias depois vi em outros lugares a bicicleta replicada. Depois descobri que em vários países as pessoas pintavam suas próprias ciclovias. Comecei a pintar as bicicletinhas em 2001. Por fazer esse trabalho na rua é que virei artista.
Teve algum problema com o CET? Teve uma ação em que vários cicloativistas desenharam bicicletinhas no caminho de um carro de F-1, antes do GP Brasil. Em todos os jornais saíram as fotos das bikezinhas. Quando eu estava pintando, o chefe da CET veio me dizer que “bike é no parque”. Outro cara me parou e mandou: “Você não pode estar aí porque eu pago o IPVA”. Alguns motoristas falam isso. É um senso comum.
Quais são suas dicas, para quem começar a pedalar agora pela cidade? Em horário comercial, na avenida Paulista, eu vou pela rua. Só de noite é que vou pela calçada. Se acontece alguma treta, tipo alguém buzinar achando que estou atrasando seu caminho, vou na base da conversa. Paro do lado do cara e brinco: “Desculpe atrapalhar o seu trânsito. Tá com pressa, vai de bike!”. Só na questão de conversar, ele vê que tem um ser humano ali. Para cruzar uma ponte, que é perigoso para um ciclista, eu pego uma “carona” com um outro ciclista. Vamos andando “de carrinho”, um ao lado do outro. Ah, nunca cruze um posto de gasolina para cortar caminho: você pode escorregar, já vi muita gente cair num posto…