Ricardo Neis irá a júri popular, mas com acusação mais branda
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Desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiram em 14 de março, por 2 votos a 1, manter o julgamento de Ricardo Neis por júri popular – ainda sem data confirmada pelo Tribunal do Júri.
Em 2012, a juíza Carla Fernanda De Cesaro já havia determinado que o bancário fosse a júri (como divulgamos aqui no Vá de Bike), por ter entendido que este seria um crime contra a vida. Mas a decisão foi objeto de recurso pelos advogados de defesa que, apesar de não terem conseguido livrar o motorista do júri popular, conseguiram reduzir a quantidade de tentativas de homicídio.
Relembre o casoO episódio aconteceu em 25 de fevereiro de 2011, quando o bancário acelerou sobre a Massa Crítica de Porto Alegre propositalmente, atingindo de forma covarde e sem chance de defesa centenas de ciclistas que, ironicamente, pediam por mais respeito no trânsito. O caso ganhou grande repercussão nacional e internacionalmente, se tornando um marco na luta em prol deste meio de transporte em todo o mundo. Saiba mais.
Atenuando o crime
Na época, Neis havia sido indiciado por 17 tentativas de homicídio qualificado contra os ciclistas de Porto Alegre. Agora a decisão da Justiça é de que o réu vai responder pelo crime de 11 tentativas de homicídio simples e cinco lesões corporais [Nota do Willian Cruz: conceitos jurídicos à parte, tenho para mim que a tentativa de homicídio foi contra todos que estavam ali, embora apenas dezessete tenham sido atingidos].
Segundo o relator do recurso, Desembargador Diógenes Vicente Hassan Ribeiro, das 17 vítimas apresentadas na denúncia, quatro disseram ter sido atingidas por outras bicicletas – e não diretamente pelo carro de Ricardo Neis – e uma quinta vítima, por depoimento, não determinou quem a atingiu, por isso ficou decidido qualificar o crime para lesão corporal em relação a essas cinco pessoas.
Também foi excluída a tentativa de homicídio contra uma sexta pessoa que não prestou depoimento à polícia e não colaborou com as investigações. ”Apesar de considerar possível que Neis não buscasse a morte dos manifestantes, é sabido que um choque de um veículo, ou a queda de uma pessoa em consequência de um choque de um veículo automotor, é possível de levar ao óbito”, diz o texto sobre a decisão, no site do TJRS.
Ainda de acordo com o texto, o Desembargador Jayme Weingartner Neto votou para que Neis fosse julgado por 16 tentativas de homicídio, mas foi voto vencido. “O motorista que acelera e arremessa o automóvel contra as pessoas que estão à sua frente sabe o resultado que será produzido, não só em relação aos que diretamente acertou, inclusive pelos desdobramentos imprevisíveis decorrentes de tumultos multitudinários”.
Não houve motivo fútil e ciclistas tiveram chance de defesa. Oi?
Duas qualificadoras apresentadas pelo Ministério Público – que poderiam elevar a pena do acusado em caso de condenação - foram desconsideradas pelo Tribunal de Justiça. De acordo com o texto divulgado pelo TJRS, o Desembargador analisou o pedido do Ministério Público para que fossem reconhecidas as qualificadoras de “motivo fútil” e “perigo comum”, ambas negadas pela justificativa das discussões que ocorreram previamente entre o motorista e os manifestantes.
Ele também afastou a qualificadora de “recurso que dificultou a defesa da vítima”. “Estas pessoas que circulam de bicicleta na via de rolamento sabem que, eventualmente, podem sofrer algum tipo de acidente, que correm esse risco. No caso dos autos, já sabendo da animosidade de alguns motoristas, ficam ainda mais atentas”.
Mas o Desembargador Jayme Weingartner Neto divergiu quanto ao afastamento da qualificadora do “perigo comum”. No seu entendimento, uma vez que o motorista atingiu direta e indiretamente 16 ciclistas, resta clara a existência de indicativos de que expôs a perigo tantos outros ciclistas, além de pedestres que estavam no local. Mas seu voto foi vencido.
Reveja o vídeo
Veja se faz sentido dizer que a tentativa de homicídio foi só contra 17 pessoas, que houve justificativa para agir com tanta violência, que os ciclistas tiveram chance de defesa. (Atenção: cenas fortes)
Concurso de crime
O Desembargador analisou também o “concurso de crimes”, enquadrando o crime no “concurso formal perfeito”, que diz que “em caso de condenação, deve-se aplicar a pena mais elevada ou, se iguais, a mais grave, acrescida de um sexto à metade”. Ao G1, o advogado de defesa, Marco Alfredo Mejia, avalia como positiva a decisão do colegiado. “Para mim é uma vitória que conseguimos. Num primeiro momento, vemos essa situação assim. Mas existem elementos que ainda podem provar a inocência do Ricardo”, comemora. Mejia disse que irá recorrer da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Vamos ficar de olho!
É a primeira vez no Brasil que um crime bárbaro de trânsito pode ter final diferente, sem fianças nem cestas básicas. Caso seja condenado, Ricardo Neis poderá ir à cadeia e ser a prova concreta de uma mudança de postura dentro do judiciário e diante da população brasileira. A decisão de ir a júri popular já gera jurisprudência para a Justiça Brasileira, ou seja, a partir de agora crimes de trânsito podem ser entendidos como atentados contra a vida e terem punições mais severas.
Por isso, mesmo depois de pouco mais de 2 anos do ocorrido, é IMPORTANTÍSSIMO que a população continue acompanhando de perto e manifestando seu repúdio a esse tipo de comportamento. A comoção pública influencia os jurados e esse é um dos instrumentos possíveis para reverter a situação em que vivemos.
O mesmo raciocínio se aplica para os casos do David Santos, Vitor Gurman, Julie Dias, Márcia Prado e tantos outros que sofreram com a violência nas ruas de São Paulo, onde muitos pagaram com a vida. Vamos continuar acompanhando as decisões judiciais, nós somos parte importantíssima do processo democrático no Brasil.
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